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Estreamos o nosso 1º episódio do Vantagecast, seu podcast sobre Tecnologia, Inovação e Ciência no Mundo Laboratorial.

Neste episódio falamos sobre os desafios e a importância de uma das áreas essenciais da Indústria Farmacêutica, a de Estudos de Estabilidade. Convidamos a Analista de Inovação e Operações Farmacêuticas de Bio-Manguinhos, Erica Louro para compartilhar sua experiência com a gente.

O episódio já está disponível no nosso canal LabVantage Latam, no nosso perfil do Spotify ou você também pode ler a transcrição abaixo.

LabVantage: Estreamos o 1º episódio e gostaríamos de agradecer imensamente a presença da Erica Louro.

A Erica é especialista em estabilidade no Departamento de Controle de Qualidade de Bio-Manguinhos da Fiocruz. Gostaria de pedir para você, Erica, contar um pouquinho sobre sua trajetória.

Erica: Eu agradeço pelo convite, é um prazer estar aqui com vocês, ainda por cima o primeiro [episódio], estamos debutando. Eu tenho um casamento de 13 anos com Bio-Manguinhos, mas antes disso eu casei com a Fiocruz. Eu entrei na Fiocruz como aluna de Iniciação Científica do CNPQ em 1995, ainda no quinto período do curso de biomedicina. Eu estive na pesquisa por 15 anos trabalhando com microbiologia no Instituto Oswaldo Cruz. Fiz mestrado e doutorado, até que em 2011 uma grande amiga me fez um convite para trabalhar na Indústria Farmacêutica, uma realidade totalmente diferente da minha experiência até então. 

Eu aceitei e entrei em Bio-Manguinhos atuando como Analista de Controle de Qualidade microbiológico de vacinas e biofármacos na área de Biologia Molecular e Monoquímica. Eu estive na bancada, como nós costumamos dizer, por 11 anos.

Há dois anos atrás, fui convidada a fazer parte da equipe de Estabilidade desse instituto junto com mais quatro pessoas.

LV: Bacana! Muito obrigado por compartilhar um pouquinho da sua jornada e parabéns pela jornada e pelas experiências.

Me conto um pouco, durante esses 13 anos, principalmente os dois últimos, qual é a sua percepção em relação à importância do Estudo de Estabilidade na Indústria Farmacêutica?

Erica: Os Estudos de Estabilidade fundamentam petições de registro para subsidiar solicitações de alterações pós registro. Isto significa que por meio dos Estudos de Estabilidade nós conseguimos reconhecer condições ideais e em até que momento um produto é capaz de manter qualidade, principalmente no que diz respeito às características relacionadas à eficácia e segurança. Hoje nós utilizamos muitas vezes estudos de estabilidade também para respaldar decisões sobre excursões de temperatura durante o processo produtivo, durante o armazenamento de um lote, durante o transporte e também de forma muito relevante aquelas condições ocorridas no campo de aplicação, onde o produto vai ser entregue à população brasileira. Por conta de tudo isso, os Estudos de Estabilidade são essenciais para as indústrias farmacêuticas e são aplicados desde o desenvolvimento de um novo produto, farmacêutico, até a sua comercialização.

Existem diferentes tipos de Estudos e Estabilidade, cada um com uma aplicabilidade específica. Eu destaco os Estudos de Longa Duração e de Estabilidade Acelerada, que são essenciais ao registro dos produtos, mas ainda existem outros estudos muitos importantes. O Estudo de Estabilidade em Uso que mimetiza uma condição que pode acontecer no campo de aplicação; os Estudos de Foto Estabilidade que tem relação com a embalagem primária de um produto, a suscetibilidade desse produto a intensidade luminosa; os Estudos de Ciclagem de Temperatura que estão relacionados ao transporte em particular; os Estudos de Estresse, onde as condições aplicadas são mais severas do que os Estudos de Estabilidade Acelerada; o Estudo de Acompanhamento que ratifica o prazo de validade previamente deferido pelo órgão regulamentador e o Holding Time que é uma garantia de um tempo de espera entre uma próxima etapa e uma do processo produtivo.

LV: É uma série de diferentes estudos. A gente não imagina que são tantas particularidades e você citou aproximadamente 8 diferentes tipos de estudos que são feitos. Há alguma regulamentação que determina quais as boas práticas vão ser aplicadas para a execução desses estudos?

Erica: Sim. Existem RDCs que são diretamente aplicáveis aos Estudos de Estabilidade. Temos duas sendo utilizadas atualmente: a RDC 412/2020 que dispõe sobre os requerimentos e condições para a realização dos Estudos de Estabilidade em produtos biológicos. Essa RDC traz a indicação de consulta e uso de guias do International Council for Harmonization (IDH). Nós empregamos em particular os guias Q1A R2, que é utilizado para novos produtos, tanto para IFA, quanto para produto acabado e o ICH Q5C, que é direcionado para produtos biológicos e biotecnológicos. Ainda nessa mesma linha dos guias ICH, temos o Q1B, que respalda os estudos de foto-estabilidade e o Q1F, que define as zonas climáticas ao redor do mundo e por isso é muito importante nos desenhos dos estudos de estresse.

A segunda RDC que também é importante para maior uso de aplicabilidade direta é a RDC 318/2019, que dispõe sob a realização dos estudos de estabilidade no IFA e também medicamentos não biológicos. Ainda outros instrumentos regulatórios, recomendações, principalmente relativas a registro e alterações pós registros também precisam ser observadas, mas nesses casos fazemos uma “dobradinha” com a nossa equipe de Regulatórios e somos instruídas por eles com relação ao que existe na RDC 55 (RDC de registros de produtos biológicos e produtos biológicos novos) e a IN 65, já saindo um pouco da linha de RDC, mas são, como eu disse, outros instrumentos regulatórios. E essa IN 65 trata de todas as necessidades para alterações pós registro.

Como temos o registro, temos também o cancelamento do registro, e para isso temos a RDC 413/2021 e a RDC 876/2024. Por fim, depois de tantas resoluções, temos a “queridinha” da Indústria Farmacêutica que é aquela que fala sobre as Boas Práticas de Fabricação que é a RDC 658/2022.

LV: Realmente são muitos tipos de estudos diferentes e muitas regulamentações que são aplicadas. Como essas resoluções influenciam as práticas de estudo de estabilidade em Bio-Manguinhos?

Erica: As resoluções de uma forma geral normatizam os estudos e as condições de armazenamento que devem ser consideradas para cada situação que se deseja verificar a estabilidade do produto. Então, sempre fica mais fácil quando nós temos um formato a ser seguido, e isso nos dá agilidade, objetividade e principalmente segurança no que está sendo realizado.

LV: Com certeza essa normatização, vai trazer agilidade, segurança e maior objetividade nos processos. Acredito que todas essas variações vão acontecendo e existe uma renovação dessas diretrizes, houve alguma mudança mais recente nas RDCs que impactaram significativamente a forma como vocês conduzem os estudos de estabilidade?

Erica: A RDC 412/2020 veio revogar a RDC 50/2011. O que ela traz de mais importante é que ela regulamenta de forma a harmonizar a nossa legislação com guias internacionais, particularmente os guias ICH, como eu havia citado, e essa uniformização das normas viabiliza a harmonização de exigências regulatórias entre países, de forma que facilita processos de importação, de exportação, de reconhecimento de qualidade produtiva, entre outros ganhos.

LV: É interessante esse cenário que você trouxe, porque de uma certa forma nós temos uma qualidade de produtos farmacêuticos unificados, indiferente do país de fabricação.

Erica: Exato.

LV: Já estou imaginando vários cenários de que não deve ser nada simples seguir com todas essas regulamentações. Gostaria de te pedir que me desse algum exemplo de como Bio-Manguinhos garante que todos os estudos de estabilidade estejam em conformidade com a essas RDCs.

Erica: Bio-Manguinhos faz uso de sistemas computadorizados, de gerenciamento de documentos, de gerenciamento de resultados e seus laudos e atualmente está implantando softwares mais modernos no gerenciamento de amostras. Particularmente no que diz respeito aos estudos de estabilidade, isso é um fato importantíssimo. E mantém os equipamentos que armazenam as amostras que são destinadas aos estudos de estabilidade e monitoramento em tempo real. Além disso, todas as nossas áreas e equipamentos de armazenamento de amostras são de acesso exclusivo à equipe de estabilidade e quando chegamos no final dos estudos, onde há necessidade de descarte das amostras, todo um processo documentado e rastreável é utilizado.

LV: Bastante trabalho, imagino. Tem também uma série de documentações envolvidas, várias amostras diferentes sendo trabalhadas, é bastante interessante esse fluxo e todo esse trabalho envolvendo os estudos de estabilidade. E falando um pouco sobre a estabilidade de um produto, pensando em volume de resultados e amostras, quais são os principais fatores considerados?

Erica: Para desenhar os estudos de estabilidade, de uma forma geral, nós consideramos fatores intrínsecos e extrínsecos. O desafio é justamente entender como a qualidade do produto pode ser afetadas referente a variações intrínsecas e extrínsecas. Dentro do grupo de fatores extrínsecos podemos destacar temperatura, seguido da umidade, mas ainda é possível perceber quando existe a presença de microrganismo e condições de ar, em particular relacionadas ao próprio processo produtivo, a luminosidade, como falei, em muitas situações a embalagem é transparente e com isso podemos ter o impacto da intensidade luminosa sobre o produto. E com relação aos fatores intrínsecos, entendemos que a própria formulação pode interferir nessa estabilidade como uma variação de pH, por exemplo, ou contato com o ar promovendo oxidação, ou ainda haver hidrolise. A interação com incipiência, é possível, e, de forma que fica entre o fator intrínseco e extrínseco, a interação do nosso produto farmacêutico com a embalagem primária e também impurezas geradas no próprio processo produtivo. Nós também precisamos levar em consideração como é o nosso produto: se é um produto líquido, se é um produto liofilizado […] e nós em particular, trabalhamos com uma plataforma de injetáveis, e portanto precisam ser estéreis. Então nós temos algumas particularidades que faz com que temos que avaliar quais são os fatores extrínsecos e quais os fatores intrínsecos a serem testados para garantir a estabilidade, ou pelo menos avaliar até que ponto esses fatores não influenciam na qualidade do nosso produto.

LV: E dentro de todo esse cenário que você comentou, todas essas variáveis que precisam ser analisadas e verificadas durante a execução dos estudos, como são feitos os testes para avaliação? Vocês fazem, por exemplo, testes de estresse?

Erica: Fazemos. O estudo de estabilidade de estresse requer condições mais severas do que os estudos de estabilidade acelerada, embora ele não seja um estudo exigido para registro de produto. O estudo de estabilidade acelerada é, mas o de estresse não. O estudo de estabilidade de estresse muitas vezes está completamente desenhado para cobrir uma situação em que nós já enfrentamos anteriormente ou que sabemos que há a possibilidade de acontecer. Como estamos em um país tropical precisamos considerar temperaturas mais elevadas do que um país de zona temperada, por exemplo, e os nossos guias estão praticamente alicerçados na realidade desses outros países, então nos estudos de estresse consideramos as condições mais severas do que aquelas que consideramos nos estudos de estabilidade acelerada.

LV: Fazendo uma relação ao longo do nosso bate-papo, você citou alguns desafios, como por exemplo entender ao longo do tempo como a qualidade do produto se comporta, a manutenção da qualidade do produto em condições fora de bula… Em termos de gerenciamento do dia a dia, qual o maior desafio que vocês enfrentam para gerenciar todas essas variações, como você comentou em termos de amostras, documentações e diferentes parâmetros que estão sendo avaliados?

Erica: O gerenciamento de amostras é o nosso pior caso. Uma engrenagem que precisa funcionar com sincronismo muito certo entre o acondicionamento, armazenamento, entrega… As análises muitas vezes requerem reteste e reamostragens e também descarte. Primeiro ponto, que é o armazenamento, é muito sensível do nosso ponto de vista e extremamente relevante, porque precisamos monitorar essas amostras através do monitoramento dos equipamentos nas condições pré-definidas para cada estudo. Então o gerenciamento de amostras, sem duvidas é o maior desafio que nós temos hoje.

LV: E geralmente os estudos levam um tempo considerável, então você precisa garantir aquelas condições durante todo esse processo, né?

Erica: Isso. Tem estudos que necessitamos gerenciar mais de 3 mil amostras. Isso é bastante complicado.

LV: É um volume grande. E isso por um longo período de tempo também, né?

Erica: Por um longo período.

LV: E um outro tópico muito importante que acho que todos querem saber, como os resultados do estudo de estabilidade impacta no desenvolvimento de novos produtos em Bio-Manguinhos?

Erica: Durante o desenvolvimento de novos produtos nós já podemos realizar vários estudos de estabilidade. São considerados preliminares, não são estudos que são regulatórios, mas são essenciais pra que aconteça a condução do desenvolvimento de um novo produto e com isso conseguimos verificar qual é a melhor embalagem primária, quais os melhores excipientes e as suas concentrações a serem utilizados para cada produto, qual é a forma farmacêutica mais estável, seja ela intermediária ou final, o tempo de espera nos estudos de Holding Time entre uma etapa e outra do processo produtivo… E todo novo produto não “vai adiante” se ele não estiver acompanhado da verificação da estabilidade dele, e isso está mais do que comprovado por questões regulatórias para que haja o registro de um novo produto ou de uma alteração nesse novo produto é necessário que um estudo de estabilidade seja apresentado, então acredito que no desenvolvimento de novos produtos não tem como ser diferente, senão lançar mão de estudos de estabilidade.

LV: E aqui temos de forma clara qual é a importância do estudo de estabilidade, afinal nenhum produto, como vimos anteriormente, pode ser fabricado e lançado no mercado sem a execuções das verificações dos parâmetros de estabilidade, toda a execução do estudo, assim também como nenhum novo produto. Então todo um processo produtivo precisamos dos estudos de estabilidade para garantir a qualidade dos produtos. Diante de toda essa relevância, acredito que sempre haja novidades, novas regulamentações, novas tendências no setor. Me conta, quais inovações recentes vocês observaram nessa área?

Erica: Embora não seja especificamente para os estudos de estabilidade, eu posso apontar monitoramento em tempo real de equipamentos das condições mantidas nesses equipamentos, seja de temperatura, seja de umidade, e com controle de acesso e identificação exclusiva e única, e que permite a conformidade com as Boas Práticas. E especificamente para os estudos de estabilidade, desenvolvimento de softwares que são direcionadas ao gerenciamento ágil das amostras que são destinadas aos estudos de estabilidade. Isso foi um grande ganho para nós.

LV: É legal ver um pouquinho da tecnologia facilitando o dia a dia e todo esse processo que você trouxe. E para finalizar, me conta o que vocês veem para o futuro dos estudos de estabilidade, quais avanços vocês esperam para os próximos anos?

Erica: Muito trabalho! [risos] Tendo em vista as novas plataformas de desenvolvimento de produtos no mundo, o uso de Inteligência Artificial para beneficio no que se refere a prospecção de comportamento dos produtos. Seria ótima. E acreditamos que possa articular de forma melhor o montante de amostras destinadas aos estudos de estabilidade com softwares que atendam essa necessidade porque a visão de controle individual das amostras é perfeita com relação a rastreabilidade, mas hoje em dia inviável com o plano de gerenciamento, então, softwares que possam trabalhar em grupos de amostras e que ainda assim permita identificar individualmente uma amostras seria a melhor proposta, o melhor dos mundos.

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